Este resumo servirá para auxiliá-los na leitura do livro.
Amor de
Perdição - Camilo Castelo Branco
Escrito
em 15 dias, Amor de Perdição (1863) não pode ser lembrado apenas como o mais
bem acabado exemplo de novela passional, em que predomina o descabelamento
amoroso e as paixões desenfreadas. Deve-se também destacar o mérito de possuir
uma narrativa enxuta, concisa e extremamente criativa na invenção de obstáculos
e peripécias, tornando o texto dinâmico, ágil.
A
história inicia-se apresentando Domingos José Correia Botelho de Mesquita e
Meneses, magistrado que em 1779 consegue com a graça da Rainha D. Maria, a
Louca, casar-se com D. Rita Teresa Margarida Preciosa da Veiga Caldeirão
Castelo Branco, ex-aia, pais do protagonista. É normal em Camilo, assim como em
boa parte do Romantismo, essa preocupação com datas, genealogias e citações de
documentação histórica, em nome de uma maior verossimilhança possível.
Já
se nota nesse início o caráter espirituoso do narrador ao apresentar as
desventuras de D. Rita, perdida, por causa de seu esnobismo, em meio à
província. Além de as situações ridículas, criadas por ela, servirem de humor,
há uma leve intenção de ataque à nobreza decadente e empolada. Não se trata de
uma crítica social amarga no tom do Realismo. Camilo Castelo Branco desprezava
romances que se dedicavam a isso. Na verdade, sua censura tem tom idealista,
pois despreza as questões de honra ditadas pelo nome e pelo dever, dando
atenção aos que fossem ditados pela honra do coração, que lhe seria mais
autêntica. É uma temática a ser enfocada em mais outros momentos dessa obra,
como na caracterização do segundo filho desse casal, Simão Botelho, justamente
o protagonista. De início, já irrita sua mãe quando despreza o peso do nome e
convive com pessoas das classes baixas. Talvez seja um alter ego do autor.
Um
episódio tornou Simão célebre, configurando seu caráter. Um empregado de sua
família fora colher água junto a uma fonte e acabou, sem querer ou não,
quebrando alguns jarros (“cântaros”) dos Albuquerque. Os empregados dessa
família começaram a bater no transgressor, até o instante do surgimento do
protagonista, que não só arranjou briga com os agressores, como também quebrou
todos os cântaros deles. Uma confusão gigantesca da qual Domingos Botelho teve
enorme trabalho para se desvencilhar.
Não é à toa que arranjou mais confusão em
Coimbra, em que estuda, principalmente quando passou a defender os postulados
da Revolução Francesa, por causa dos quais acaba sendo preso. Mais trabalho
para o pai. Esses elementos, no entanto, não indicam um caráter arruaceiro,
irresponsável da personagem. Na realidade, fazem de Simão um modelo do
Romantismo e de sua paixão, fúria ("Sturm und Drag", para os alemães)
em defesa de novos ideais, ou mais do que isso, de uma nova vida.
Mas
o herói sofre uma mudança radical, tornando-se calmo e aéreo. É que está
apaixonado por uma vizinha, Teresa Albuquerque, que conhecera quando, de
férias, havia voltado à sua casa. Começam as complicações. A família
Albuquerque era, muito antes do episódio dos cântaros, inimiga dos Botelho,
porque Domingos, como juiz, havia tomado inúmeras decisões, prejudicando-a.
Temos, pois, o esquema do amor impossibilitado por causa da inimizade familiar.
Mesmos
cientes desse obstáculo, os enamorados vão manter contato por meio de cartas
que terão uma mendiga como intermediária. É interessante notar que muitas vezes
essa forma de correspondência aparece para contribuir na narração, o que é um
expediente muito comum no Romantismo. Constitui-se o que se poderia chamar de
romance epistolar. A intenção é fazer com que a literatura, anteriormente
clássica e distante do dia-a-dia, viesse para o chão, para o cotidiano. É mais
uma técnica de busca de verossimilhança.
Tadeu
Albuquerque, pai de Teresa, arranja Baltazar para se casar com ela. Planeja,
dessa forma, impedir uma união que considera criminosa. Um dos argumentos
utilizados pelo nobre foi o afamado episódio dos cântaros. Talvez haja aqui um
tema crucial, pois a análise do nobre baseou-se numa visão incompleta sobre
Simão. Não via que o jovem, apaixonado, mudou radicalmente de comportamento,
tornando-se quieto e dedicado aos estudos. O grande crime, denunciado no texto,
é o desrespeito à totalidade do indivíduo. Simão não é só o explosivo e
arruaceiro.
A
defesa do indivíduo é uma das bases do Romantismo, abrindo caminho para o
egocentrismo, sentimentalismo exacerbado, a natureza expressiva da emoção,
nativismo e tantas outras características dessa escola. Mas nessa obra a defesa
da noção de indivíduo é vista na maneira como o amor é encarado. Teresa recusar
casar-se com Baltazar significa que ela é que é quem vai escolher seu cônjuge,
não seu pai. O amor a faz tornar-se independente do pai, a faz tornar-se um
indivíduo independente.
Talvez
por causa disso o amor tenha-se tornado, nessa obra, uma religião, a dar à
narrativa um fundo trágico em que os protagonistas viram mártires. Tal aspecto
"religioso" é que explica a fúria dessa paixão, baseada apenas em
trocas de correspondências, contatos visuais e brevíssimos encontros. É como se
o relacionamento fosse uma sagrada eleição de almas em que a posse física
acabaria tornando-se um sacrilégio.
Esse
ideal remonta ao século XIV, principalmente à obra Tristão e Isolda. Época bem
distante do Romantismo, mas em que a noção de indivíduo - assim como os ideias
burgueses - estava sendo germinada. Mas há outras análises a serem feitas,
quando se tem em mente que estamos em Portugal, em pleno século XIX. O furor
desse sentimento parece representar a luta feroz da conquista da noção de indivíduo
em meio a um ambiente opressor, tanto absolutista - o que é mais óbvio - quanto
o constitucionalista. Em vários momentos percebemos na obra que a lei pode ser
facilmente usada para oprimir a pessoa em meio a universo de arbitrariedade.
Assim, não há espaço para a liberdade do indivíduo nesse mundo. Ou,
simbolicamente, não há espaço para o amor em sua plenitude. O que fazer? A
resposta a essa pergunta vislumbra-se de forma trágica e assustadora.
Enfim,
Tadeu propõe à sua filha o casamento com Baltazar. Como esta recusa, ele a
ameaça com o convento, que ela aceita. Mais tarde é Baltazar quem pressiona a
própria prima, com a alegação de que estava disposto a tudo para
"salvá-la". A moça não muda de idéia e comunica a Simão, por meio de uma
carta, tudo o que ocorreu. O jovem fica mais irritado com a intromissão do
primo e, agarrando-se às suas pistolas, sente o ímpeto de matar o opositor.
Essa citação constante às armas do herói dá mais verossimilhança à narrativa,
pois indica que nada vai ocorrer gratuitamente, tudo estava no campo do
possível. Além disso, essas armas são o desejo desesperado do "eu"
fazer sua vontade furar um espaço no meio opressor.
Simão,
cego de desespero, decide sair de Coimbra (onde estudava) e ir para Viseu. Com
a ajuda de um arrieiro, hospeda-se na casa do ferrador João da Cruz, figura curiosa que ajuda o apaixonado porque
tem uma dívida de vida com Domingos Botelho. Tempos atrás, o ferreiro havia se
metido num desentendimento. Seu oponente teve a intenção de matá-lo. Em
legítima defesa, João da Cruz acabou-se tornando um assassino e seria condenado
à forca, se não tivesse - por meio de um expediente meio desonesto (citou a
santa de devoção do magistrado para conseguir atenção) - explicado seu caso ao
juiz e conseguido a inocência.
Cabe
aqui outra observação à ética camiliana. João da Cruz deve a vida à família
Botelho. Mas também recebeu, num momento de aperto, o apoio financeiro da
família de Baltazar. E justo esse jovem havia pedido ao ferrador para matar
Simão Botelho. Em primeiro lugar (voltamos à questão dos julgamentos apressados
que desrespeitam a integridade do indivíduo), o ferreiro ficou chateado: matara
alguém em legítima defesa, mas isso não autorizaria alguém a achar que era um
assassino de aluguel. Além disso, ao recusar ajudar Baltazar e desejar de
coração apoiar Simão, deixa claro qual é o seu universo de valores.
Mais
três elementos devem ser lembrados. Primeiro está no campo da linguagem.
Deve-se notar que os protagonistas usam linguagem nobre, mas o colorido fica
para personagens secundárias, principalmente João da Cruz. É crucial observar
como sua fala é cheia de ditados e expressões populares. Manipular tão bem
níveis de linguagem distintos revela a maestria do autor. Um segundo ponto
importante é notar que a filha do ferrador, Mariana, mostra-se muito preocupada
com Simão, com quem simpatizou já à primeira vista. E, terceiro aspecto, ela é
quem revela um presságio que tem de que as dificuldades de Simão estavam só
começando. Reforça-se, com essa visão fatalista, o caráter religioso que o amor
assume.
O
narrador conduz com eficiência o leitor para o suspense do primeiro encontro,
frustrado, pois à hora marcada havia festa na casa de Teresa – o pai dela foi
convencido a dar vida social à filha, para que esquecesse Simão. Ainda assim,
Baltazar, desconfiado, descobre, vigiando a prima, o estratagema. Mas não sai
vitorioso, pois Simão está em companhia de João da Cruz e do arrieiro. No
entanto, fica-se sabendo que irá armar uma emboscada para o dia seguinte, o que
arrasta o leitor para o capítulo seguinte.
A
emoção é marcante nesse segundo encontro. Perde-se o fôlego com a agilidade da
narrativa, o colorido dos diálogos e com o elemento surpresa constante. No fim,
graças a João da Cruz Simão escapa da emboscada, apenas com um ferimento no
ombro. E dois dos empregados de Baltazar acabam assassinados, um deles, após
ter-se entregado, por João da Cruz – apesar de Simão pedir em contrário – para
que não ficassem testemunhas (é interessante a lógica do ferrador, validando a
morte em nome da própria sobrevivência).
Mais
uma vez palmas para o narrador: após tanta emoção, a narrativa relaxa. É a
pausa necessária para que se retome fôlego. Simão fica na casa de João da Cruz
para se tratar da ferida. Note que Mariana dá bandeira em relação aos seus
sentimentos quando desmaia ao ver o jovem machucado, justo ela que havia
cuidado de piores feridas no pai. Além disso, o ferrador pede para que ela
trate o hóspede como um marido, o que deixa a moça avermelhada.
Nesse
mesmo intervalo Teresa é colocada em um convento, em Viseu mesmo. No meio do
caráter trágico da narrativa, há um delicioso arejamento, pois essa instituição
religiosa apresenta freiras ligadas a sexo, álcool, intrigas e fofocas. Os
diálogos mostram-se impagáveis.
A
narrativa volta a ganhar, aos poucos e de forma adequada, ritmo quando João da
Cruz percebe que Simão está sem dinheiro. É quando o narrador, numa saborosa
metalinguagem, tece um comentário sobre um assunto tão incompatível com o
heroísmo romântico. É também o momento em que se percebe a oscilação que
acompanhou toda a carreira de Camilo Castelo Branco: a indecisão entre
idealismo e materialismo. Há obras em que o primeiro elemento vence – é o caso
do próprio Amor de Perdição. Em outras, triunfa o segundo eixo, como em
Coração, Cabeça e Estômago. Mas é interessante notar a convivência dos dois no
presente livro em análise.
A
solução é jogada para o capítulo seguinte, para segurar a atenção do leitor.
Mariana dá o dinheiro de suas próprias economias. E para disfarçar, faz o pai
sair de casa e simular que tinha sido chamada pela mãe de Simão. Era a deixa
para inventar a desculpa de que D. Rita, por algum meio, ficara sabendo da
presença do filho e resolvera ampará-lo.
Se
tanta dedicação de Mariana já havia, há tempos, chamado a atenção do leitor, a
Simão começava a levantar desconfiança. Mas, por enquanto, ele eleva a filha do
ferrador à condição de sua irmãzinha. É uma maneira de ter a menina o
suficiente próximo, mas o suficiente distante.
Volta-se
à calma. Ninguém tinha pistas sobre a autoria dos assassinatos dos empregados
de Baltazar. Este, por sua vez, achara por bem não levantar escândalo. E Teresa
conseguia um esquema de continuar se correspondendo com Simão, burlando as
proibições expressas de seu pai. O único elemento que foge ao normal são as
próprias cartas da menina, contraditórias, ora transmitindo esperança, ora
desencanto.
No
entanto, a vida de um romance pede agitação, e ela vem, seguindo as previsões
de Mariana, sempre em seu aspecto místico e fatalista. Uma freira, bêbada,
acaba falando demais e delata o estratagema de Teresa. A mendiga, por causa
disso, é seguida. Além de apanhar, interceptam sua correspondência, que é
entregue nas mãos do pai de Teresa. Furioso com a descoberta, determina a
transferência da menina para outro convento, no Porto, em que estará sob a
guarda de uma tia freira.
A
sorte, ou azar, é que Mariana acaba-se oferecendo como intermediária. É quando
recebe o recado de Teresa sobre a transferência. Informa ainda que Simão não
deveria aparecer, pois estava combinada uma escolta composta por vários
parentes, entre eles Baltazar. Esse nome foi o detonador da fúria cega de
Simão.
Na
hora da saída de Teresa, a tragédia consuma-se. Simão desentende-se com
Baltazar. Este voa sobre o pescoço do herói, mas acaba recebendo um tiro na
cabeça. Saldo: Baltazar assassinado, Teresa desmaiada, Simão voluntariamente
preso.
A
notícia causa rebuliço enorme na casa dos Botelho, abafado pelo caráter
absolutista do pai, que entregará o infeliz ao lado mais duro da lei. No meio
desse transe é que D. Rita escreve uma carta ao filho em que chega a afirmar
“Oxalá que tivesses morrido ao nascer!”. Simão de fato quase morrera ao nascer,
mas por milagre sobrevivera. Entra mais
uma vez a questão do fatalismo: era destino sobreviver para cumprir a sina por
que estava passando.
O
engraçado é notar que na carta a mãe mostrava-se surpresa com a presença do
filho em Viseu, o que desmontava todo o estratagema montado por Mariana e João
da Cruz no episódio da falta de dinheiro. Simão percebe isso, mas o tema não
foi desenvolvido.
Simão
ia ser condenado à forca. Essa notícia provoca uma crise de demência em
Mariana, o que fortalecerá os sentimentos do herói por ela. O pior é que o pai
do herói insistia em não ajudar em nada. Tanto que, não aguentando as lamúrias
da família, auto-exilou-se.
No
entanto, de navalha em punho, um tio-avô de 83 anos chantageia: ou a situação
do jovem era aliviada, ou o velho dava cabo de sua própria vida. Domingos
empenha-se e consegue trocar a forca pelo degredo. E nem adiantaram os esforços
e até propostas de suborno de Tadeu Albuquerque.
Simão
é transferido para o Porto, sempre em companhia de Mariana. Como se disse, seus
sentimentos por ela estão mais fortes, tanto que ele começa a se avizinhar de
um dilema. Seu amor por Teresa é certo, correspondido. Mas, e o que fazer do
outro, que Mariana sente por ele?
Teresa,
por sua vez, só pensava em morte, pois estava confinada no convento em
Monchique e distante do seu amado. Chegara até a ficar muito doente. Seu
passamento era questão de horas. No entanto, graças a uma carta de Simão (sim,
mais uma vez furaram todo tipo de bloqueio e voltavam a se corresponder),
pedindo para que ela sustentasse seu fio de vida, acaba afastando tais
pensamentos.
A
preocupação agora parte de Tadeu, pois teme ao saber que os dois estão na mesma
cidade. Vai para Porto disposto a tirar sua filha de Monchique. No entanto, a
menina recusa-se. Inicia-se uma cena engraçada, vexatória e ácida em seu
aspecto crítico. O pai tem uma explosão de fúria, mas tudo inútil: não há como
retirá-la do convento. Poder-se-ia dizer que era um duelo titânico (perdoem o
melodrama, mas a obra inspira) entre o amor e o absolutismo das razões sociais.
Parece ser a única batalha em que o amor venceu no mundo dos homens.
Ocorrem
então alguns delongadores, ou seja, desvios do principal eixo narrativo, com a
função de esticar a trama sem perder a atenção do leitor. Primeiro, notamos que
Mariana já está garantindo um lugar no universo afetivo do protagonista. Entre
os objetos que tem como “relíquias” está o avental que a menina usava quando
fora pronunciada a sentença.
Ocorre
também a volta, por falta de dinheiro, de Manuel Botelho – pai de Camilo
Castelo Branco – da Espanha. Havia desertado para poder fugir com uma mulher
casada. O patriarca Domingos aproveita para desfazer tudo o que o jovem havia
aprontado. Convence a adúltera a abandonar Manuel e voltar para o antigo
marido. Consegue ainda a prisão de seu filho ser preso por deserção. E
tudo debaixo de uma discreta simpatia do
narrador, ou pelo menos sob sua conivência, o que inspira uma comparação.
Tanto
para Simão quanto para Manuel o amor acaba se confundindo com transgressão, com
pecado, merecendo ser castigado. A diferença é que Simão tem saldo positivo, é
visto como digno, ao contrário do seu irmão. Talvez a explicação esteja na já
citada crença no amor como religião. Manuel Botelho é indigno porque profanou
esse dogma, concretizando o seu sentimento. Simão ainda está no campo do ideal,
nunca chegou a concretizá-lo.
A
partir desse instante, a narrativa acelera. João da Cruz acaba sendo
assassinado, como vingança do assassinato de que havia sido inocentado. Mariana
deixa toda a sua herança nas mãos de Simão. Aliás, mais do que isso – como se
verá, deixa o seu destino nas mãos dele.
Um
fato elogiável: diante de atitude tão exagerada, Simão joga limpo com a moça,
pois deixa claro que não sabe o que pode dar a ela. Interessante é notar que
ele nunca disse que não gostava de Mariana, apenas que havia alguém na frente
dela. Talvez por isso a moça alimente uma esperança, ainda mais porque sabe que
Teresa está muito doente. Pacientemente parece esperar ocupar uma vaga no
coração de Simão, que acompanhará no degredo. No entanto, diz ao jovem que não
espera nada. É o silencioso jogo da sedução.
É
digno de nota um certo quê de egoísmo de Simão. Quando Mariana recebeu a
notícia da morte de João da Cruz, o baque tinha sido terrível. Simão, ainda
assim, fazia questão de pedir que ela agüentasse, por ele. Podia ser apenas um
recurso de convencimento – ela fazia tudo pelo herói mesmo. Mas surge outro
episódio a reforçar uma tendência narcisista do protagonista. Teresa pede para
que Simão troque o degredo pela prisão, pois ela sente que, longe, ela morreria
e, pior, ele a esqueceria. Simão, deixando claro que já havia passado quase
três horríveis anos na prisão, diz que prefere o degredo. Deixa a moça sem
saída.
Enfim,
Simão embarca para a Índia, acompanhado de Mariana. É quando recebe, por meio
do comandante, dinheiro de D. Rita, que faz questão de distribuir entre os
outros passageiros. Mais uma vez a honra do dever (mãe) é desprestigiada diante
da honra do coração (Mariana, a única pessoa de quem aceitava dinheiro). No
mirante do convento de Monchique Teresa vê Simão. Agitando um lenço, despede-se
de seu amado e morre. Antes, havia reunido as cartas que recebera dele e
enviado ao seu noivo espiritual, junto de uma última, de despedida.
A
notícia da morte da moça chega logo depois, por meio do comandante. Simão e,
não é ousado dizer, conseqüentemente Mariana passam a esperar a morte. O jovem
põe-se a ler a carta de Teresa, que tem o efeito fulminante de derrubá-lo, como
se o chamasse ao outro mundo e à satisfação de todos os sonhos de amor. Típico
do Romantismo, esse era o único meio para a plenitude desse sentimento. Há quem
possa enxergar – e não estará de todo errado – que na realidade esse é o
castigo para tamanho amor (ou individualismo?), que afrontava as leis da terra.
Simão
cai numa febre terrível. Mariana, enquanto cuida do companheiro, envelhece
espantosamente. Nove dias o herói passa em agonia. Ao final, morre, apertando
sua mão na da companheira, que em troca lhe dá o único beijo de sua vida – no
rosto.
O
corpo de Simão é atirado ao mar. Dramaticamente, Mariana agarra-se ao cadáver,
pondo fim à sua própria vida. E as cartas de Simão e de Teresa, que o jovem pediu
que Mariana reunisse para serem atiradas ao oceano com a sua morte, acabam
boiando, sendo resgatadas. Tornam-se a base do romance.