sábado, 21 de março de 2009

Ánalise do livro Triste Fim de policarpo Quaresma

Análise da obra

Publicado em folhetim em 1911 e em livro em 1915, Triste Fim de Policarpo Quaresma narra a vida de um modesto funcionário público em três estágios diferentes, que correspondem, mais ou menos, às três partes em que se divide a obra. A primeira parte relata sua vida comofuncionário público; a segunda, como proprietário rural; a terceira, como soldado voluntário naRevolta da Armada, de 1893.
Paralelamente ao destino de Policarpo Quaresma, as partes deste romance focalizam o mundo carioca em três níveis diferentes e complementares: a vida simples do subúrbio, o cotidiano familiar e político da zona rural e a atmosfera política da Primeira República.
Visões de um sonhador
Triste Fim de Policarpo Quaresma disseca o sonho de um patriota exaltado, dominado pela idéia de um Brasil acolhedor e amável. Em seu idealismo patriótico, Policarpo Quaresma vê o país como um recanto de farturas, facilidades, compreensão e amor. Essa visão orienta o seu projeto de reforma nacional, cujo objetivo era "despertar a pátria do sono inconsciente em que jazia, ignorante de seu potencial, e conduzi-la ao merecido lugar de maior nação do mundo".

Anote!

Num primeiro momento, o grande sonhador prepara uma reforma cultural; num segundo, uma reforma agrícola; num terceiro, uma reforma política. Ao fim dessa caminhada ufanista, o país revela-se inóspito, precário, infecundo, cruel, opressor e odioso.
Em outros termos, a narrativa desconstrói o mito romântico de um Brasil superior. Evidencia a distância entre o sonho e a realidade; critica o idealismo inconseqüente, incapaz de enxergar as verdadeiras dimensões do real.

Para lembrar:

Ao abordar o tema do patriotismo brasileiro, o romance problematiza um dos conceitos mais arraigados do caráter nacional, expondo-o ao ridículo, numa impiedosa anatomia da alma coletiva.

1a. Um ideário pré-modernista

Na análise do sonho patriótico de Policarpo Quaresma, Lima Barreto pôde também abordar alguns subtemas importantes para a formação do seu ideário pré-modernista como a crítica à posição negativa do brasileiro médio em relação ao colonizador europeu, a exaltação da terra, a idealização da natureza virgem, a pesquisa folclórica, a denúncia contra o preconceito social, a paródia da máquina burocrática e a ojeriza contra os falsos artistas. A sondagem do desequilíbrio de Quaresma permitiu-lhe ainda investigar com tintas fortes as alucinações, os desejos e as manias que caracterizam a loucura – retratando tanto os seus aspectos humorísticos quanto os trágicos.
A caracterização do funcionalismo público é um dos subtemas mais interessantes do romance. O próprio Lima Barreto foi funcionário público. Por isso, pôde captar os pequenos traços que caracterizam esse tipo de serviço no Brasil, transpondo-os de forma magistral para o plano da ficção.
Com efeito, o perfil dos funcionários públicos do romance, dos quais o mais importante é o próprio presidente da República (também caricaturado), resulta em uma interessante alegoria contra a burocracia, formada por pessoas sem consistência moral ou profissional. Nesse sentido, o livro é uma sátira impiedosa e bem-humorada contra o Brasil oficial, onde dominam generais sem batalha (Albernaz) e almirantes sem navio (Caldas).

Estilo iconoclasta

Do ponto de vista literário, Triste Fim de Policarpo Quaresma é um dos grandes herdeiros do Naturalismo em nossa Literatura, assim como Os Sertões, de Euclides da Cunha. Aliás, toda a Literatura pré-modernista recebe razoável influência da experiência realista da década de 1880. Esse é um dos fatores que explicam a perspectiva dessacralizadora e anti-romântica do livro.
A concepção literária presente no livro é mais pessoal que a dominante no Naturalismo, que era muito presa à idéia do detalhe científico e da preferência patológica. Por ser muito pessoal, este romance transmite uma forte impressão da realidade, sem se prender muito aos preceitos do Realismo. Apesar disso, Lima Barreto ainda trabalha com o conceito de Literatura como instrumento de denúncia social, o que às vezes assume tonalidades panfletárias. Isto é, em alguns passos, o narrador toma o partido dos oprimidos, colocando-se francamente contra os opressores. Essa idéia de arte engajada na defesa de princípios humanitários pode ser exemplificada pelos ataques contra o positivismo republicano e pela defesa da massa sofredora, presentes no último capítulo da segunda parte e, de modo geral, em toda a terceira parte. Outro exemplo de engajamento social é a descrição afetuosa das pessoas humildes, quer nos subúrbios cariocas (início do capítulo II, segunda parte), quer na roça (capítulo IV, terceira parte). No primeiro caso, trata-se da descrição do bairro em que mora Ricardo Coração dos Outros, um dos personagens importantes do romance. No segundo, trata-se do esboço moral de personagens secundários, moradores do sítio de Quaresma. Nos dois casos, deve-se notar o propósito de uma Literatura empenhada no registro objetivo e simples da realidade brasileira, com destaque para os seus contrastes e suas desigualdades

Para lembrar

O diagnóstico dos dois "Brasis", o rico e o pobre, é uma obsessão na ficção do Pré Modernismo, do qual este romance é uma das maiores expressões.
Uma linguagem despojada
A descontração do estilo é outra característica importante de Triste Fim de Policarpo Quaresma, que incorpora vocábulos e frases espontâneas, próprios da linguagem oral ou jornalística. O estilo simples da narrativa corresponde ao ideal de objetividade do autor, que se entende pelo respeito do artista às dimensões do objeto retratado, sendo compatível com o foco narrativo em terceira pessoa onisciente.

Anote!

A vida carioca é transposta para as páginas deste romance com extrema simplicidade e realismo, captada em diversos níveis: o subúrbio, a burocracia, a vida rural e a política de 1890.
Há uma passagem em Triste Fim de Policarpo Quaresma que define com clareza o ideal estético de Lima Barreto, baseado na frase comum de expressão espontânea e natural. A situação dessa passagem é a seguinte: Armando Borges, um médico sem talento nem convicção científica, dava-se ao trabalho de compilar noções de Medicina em artigos recheados de expressões eruditas, que ele copiava dos clássicos, sem assimilar ou entender, somente para obter prestígio. Ao caracterizar esse pseudo-escritor, Lima Barreto cria uma vigorosa caricatura do estilo artificial de nossa Belle Époque (personificada em Rui Barbosa, Coelho Neto, Afrânio Peixoto, Alberto de Oliveira), que ele decididamente evitava: "De fato, ele estava escrevendo ou mais particularmente: traduzia para o 'clássico' um grande artigo sobre 'Ferimentos por armas de fogo'. O seu último truque intelectual era este do clássico. Buscava nisto uma distinção, uma separação intelectual desses meninos por aí que escrevem contos e romances nos jornais. Ele, um sábio, e sobretudo um doutor: não podia escrever da mesma forma que eles. A sua sabedoria superior e o seu título 'acadêmico' não podiam usar da mesma língua, dos mesmos modismos, da mesma sintaxe que esses poetastros e literatos. Veio-lhe então a idéia do clássico. O processo era simples: escrevia do modo comum, com as palavras e o jeito de hoje, em seguida invertia as orações, picava o período com vírgulas e substituía incomodar por molestar, ao redor por derredor, isto por esto, quão grande ou tão grande por quamanho, sarapintava tudo de ao invés, empós, e assim obtinha o seu estilo clássico que começava a causar admiração aos seus pares e ao público em geral."

Para lembrar

Esse fragmento (do capítulo 1, terceira parte) não apenas ridiculariza os escritores "difíceis" do final do século, mas também revela a intenção de uma escrita "fácil", baseada na espontaneidade da fala cotidiana e da reportagem jornalística.
Ao caricaturar o artificialismo literário de seu tempo, Lima Barreto escreve de forma descontraída e informal. Nesse sentido, Triste Fim de Policarpo Quaresma contribui para a simplicidade estilística dos artistas modernistas da Semana de 1922, que também apreciavam a soltura e a descontração da frase, em cenas rápidas do cotidiano dos grandes centros. De fato, esse romance ensinou ao Modernismo como captar de maneira viva a agitação das ruas do Rio de Janeiro. Nele, agitam-se, numa escrita dinâmica e incisiva, as várias camadas da população: o burocrata, o escriturário, os moleques, os oficiais, os soldados, o imigrante, a dona de casa, a moça preocupada com a moda, o seresteiro, a ex-escrava, os trabalhadores.

As reformas de Quaresma

As três partes de Triste Fim de Policarpo Quaresma correspondem à aplicação das grandes reformas propostas pelo personagem principal para salvar o Brasil
4a. A reforma pela cultura
Relata a vida de Quaresma como funcionário público. Homem de hábitos arraigados e conservadores, Quaresma era solteirão e vivia com sua irmã Adelaide num bairro do Rio de Janeiro. Além de dedicado ao serviço público, era patriota exaltado e possuía uma biblioteca só com obras sobre o Brasil. De repente, viu-se assaltado por uma obsessão: salvar o país por meio de uma reforma nos costumes.

Para lembrar

Quaresma pensava que o homem do Brasil deveria se expressar como os primitivos tupinambás, e não como os europeus. Por isso, pôs-se a estudar o folclore e o tupi-guarani. Em pouco tempo, pretendeu substituir o idioma português pela língua dos primitivos habitantes da terra, chegando ao extremo de redigir documentos oficiais em tupi.
Essa aventura acabou por metê-lo num sanatório. Nessa altura da vida, Quaresma vivia rodeado por funcionários públicos sem consistência moral ou profissional. O conjunto dessas pessoas forma uma verdadeira alegoria contra o funcionalismo público, uma sátira impiedosa e bem-humorada: o general Albernaz, cuja filha Ismênia tem um fim trágico, por causa da indecisão do eterno noivo Cavalcanti; o contra-almirante Caldas, a quem foi dado comandar um navio inexistente; o major Bustamante, cuja preocupação central era conhecer a legislação que regeria sua aposentadoria. Dentre todos os amigos de Quaresma, apenas um se salva, pela sinceridade e força do talento: Ricardo Coração dos Outros, violeiro simpático que lhe dava lições de violão. E esse, por ser humilde, era desprezado pelos demais, que formavam a "aristocracia do subúrbio".

4b. A reforma pela agricultura

Ao sair do hospício, Quaresma já não pensava em reformar os costumes nacionais. Agora, acredita que a solução para os males do Brasil adviria de uma reforma na agricultura. Muda-se, então, para o Sítio Sossego e, depois de importar revistas e maquinários agrícolas, incumbe-se da missão de demonstrar aos compatriotas que a melhor terra do mundo é o Brasil. Em pouco tempo, é vencido pela má qualidade do solo, pelas saúvas e pela mesquinharia da política local. Depois de perder tudo o que investira, resolve voltar ao Rio de Janeiro para salvar o Brasil do perigo representado pela Revolta da Armada, que então eclodira na capital do país.

4c. A reforma pela política

No Rio de Janeiro, Quarema alista-se no Exército, a favor de Floriano Peixoto, comandando um batalhão de 40 soldados. Nessa altura, está empenhado nas reformas políticas do florianismo, pelas quais se alista na batalha. Obtém uma entrevista com o presidente da República, mas sai absolutamente decepcionado com a figura displicente e preguiçosa do líder. Abafada a revolta, é enviado para a Ilha das Enxadas, com a função de carcereiro. Nessa ilha, estavam os prisioneiros de guerra, ex-membros da Marinha. Uma noite, diversos prisioneiros são levados para sumário fuzilamento por ordem expressa de Floriano Peixoto. Quando Quaresma toma consciência da manobra, redige uma carta de censura ao presidente, exigindo dele que se respeitassem os direitos humanos dos rebeldes. Em conseqüência de sua carta, o grande florianista é preso e enviado para a Ilha das Cobras. Teria o mesmo fim dos prisioneiros por cujos direitos protestara.